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Carta Aberta do Instituto de História da UFU em defesa de uma educação livre, laica e plural contra o Projeto de Lei Ordinária - 01766/2023 - np - Projeto de Lei Nº. 1156/23, da Câmara Municipal de Uberlândia

por Kauany Mota
Publicado: 19/06/2023 - 14:05
Última modificação: 19/06/2023 - 14:05

Carta Aberta do Instituto de História da UFU em defesa de uma educação livre, laica e plural e contra o Projeto de Lei Ordinária - 01766/2023 – np – Projeto de Lei Nº. 1156/23, da Câmara Municipal de Uberlândia.

É com extrema preocupação e indignação que o Instituto de História da Universidade Federal de Uberlândia, recebeu a notícia da aprovação, na Câmara Municipal de Uberlândia, de Lei Ordinária que prevê a “vedação” (proibição) do que nomeia “doutrinação ideológica de gênero” em escolas do município, sejam elas da rede pública municipal, estadual ou mesmo do setor privado.

A lei fere gravemente os princípios constitucionais de respeito à liberdade e à intimidade da pessoa humana, sendo que o seu tema vem sendo utilizado como bandeira político-partidária a fim de desviar a perspectiva constitucional do debate.
 
Estudos acadêmicos mostram que o gênero não compõe uma ideologia da pessoa, mas a sua identidade, o modo como ela se vê e gostaria de ser vista pela sociedade.  A identidade de gênero é essencial para o desenvolvimento da identidade e da personalidade dos indivíduos. A censura do debate referente a este conteúdo em sala de aula fere o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, conforme já deliberado pelo Supremo Tribunal Federal. Conforme o Ministro Edson Fachin:

"O reconhecimento da identidade de gênero é constitutivo da dignidade humana. O Estado, para garantir o gozo pleno dos direitos humanos, não pode vedar aos estudantes o acesso a conhecimento a respeito de seus direitos de personalidade e identidade"
(STF, ADPF 457, voto do Min. Edson Fachin, julgado em 27/04/2020)

A expressão “doutrinação ideológica de gênero” tem sido usada por setores sociais antidemocráticos contra aqueles/as que buscam evidenciar, por meio de pesquisas e estudos acadêmico-científicos, que a ideia da qual esses setores partem, a saber, a de que o sexo dito biológico define, de forma natural, o gênero, é, ela mesma, uma construção ideológica obtusa e sem fundamento científico. 

O discurso desses setores parte da premissa de haver uma correspondência natural entre um determinado sexo biológico e um determinado gênero. Essa perspectiva, ao fantasiar-se de “neutro” ou “natural”, escamoteia seu caráter propriamente ideológico e deixa explícita uma posição autoritária de combate e censura às ideias que destoam do seu entendimento. Assim, a lei busca sufocar o pluralismo de ideias próprio a um ambiente social verdadeiramente democrático, tirando os cidadãos e cidadãs em formação escolar do espaço público e confinando-os à tutela exclusiva das suas famílias.

Segundo o autor da lei, em matéria divulgada pelo site da Câmara, os educandos devem “receber a orientação sexual de acordo com as convicções morais de seus pais ou responsável legal”, afirmando que os docentes precisam ser “rigorosamente fiscalizados”, com denúncias sendo recebidas pela ouvidoria da Secretaria Municipal de Educação. Este é um grave atentado às liberdades individuais, além de uma espécie de permissão velada para que pais e responsáveis submetam seus filhos, suas filhas e o(a)s jovens sob a sua guarda a constrangimentos, violência e situações indignas sob o pretexto de “corrigirem” aquelas inclinações sexuais que eventualmente pareçam contrárias às suas “convicções morais”.

Finalmente, vale dizer que não é competência da Câmara Municipal estabelecer currículos, tampouco, vetar conteúdos, objetivos ou temas curriculares presentes nos Parâmetros e nas Diretrizes Curriculares Nacionais, na BNCC ou mesmo nos documentos já aprovados nas esferas estadual e municipal quanto aos currículos a serem desenvolvidos nas redes de ensino. Assim, a Câmara Municipal está avançando sobre matéria própria dos Conselhos Nacional, Estadual e Municipal de Educação e da Superintendência Estadual de Ensino. 

O INHIS-UFU repudia com toda ênfase a lei que censura o tratamento de temas ligados à identidade de gênero em escolas do município. Reforçamos nosso compromisso com uma escola democrática, pluralista, libertadora, laica, referenciada nas ciências, criativa, ética e voltada à formação plena dos cidadãos e cidadãs do país. Condenamos as práticas autoritárias, policialescas, arbitrárias e que buscam colocar as famílias em conflito constante com as instituições de ensino, o que não colabora em nada (ao contrário) com o processo educacional de qualidade. Esta lei é uma aberração política e ética. Precisa ser (e no âmbito jurídico, certamente será) derrotada e nos comprometemos com essa luta.


Conselho do Instituto de História da Universidade Federal de Uberlândia (CONINHIS/UFU)
Uberlândia, 14 de junho de 2023.